04 dezembro 2009

Parte Retorno

Em sol, às pressas retirou-se das paisagens insanas da terra. Refúgio incerto, mas solução outra não lhe coube. Durante os dias inventa homens, lugares, planeta verde habitado por pássaros que nadam em águas do mar. Que mar? Segredos levados nas marés. O culpado é sem dúvida possuído de severa crueldade: ignorância forjada no abandono. Não pode perdoar. Apertou o gatilho e o sangue ainda escorre em seu corpo. A amava sem medida. Mas ela nem tanto.

24 novembro 2009

Vela acesa

Mulher casada tece imagens de novela nas figuras teatrais. Perde vícios, ganha prazeres outros. Família traça o futuro das vítimas e consome a fonte. Leva cartazes de "amor eterno" nos membros. Que assim seja.

18 novembro 2009

Passageiros

Acesos.
Criação de selo
os fazem refens.
Terra adubada
em saliva quente.

15 novembro 2009

Natureza tímida


Foto da escultura de Teichmann - Museu do escultor - Pomerode - SC
Moço fino, criação nobre. Talheres postos em nome de prata. Seu coração não vê saída. Sauna e hidromassagem preenchem sua agenda. Tem dívida com o pai: o neto esperado e a esposa de véu e grinalda. Anoitece. O jardineiro ergue as calças, pula a janela do quarto. Suor e pelos entre lençóis. Paredes fechadas, não há frestas.

Jumentinho


Canal livre, olhar além do horizonte. Consome líquidos e defeca sólidas dores. Enfrenta o dia com a certeza do dever cumprido. Reza o terço. A garra que tinha perdeu-se nas esquinas entre máquinas e homens. Homens de pequena fé, disse o Galileu. Na mochila sonhos assassinados aguardam o funeral. Há culpados? A cruz permanece no altar.

Devoto

Coragem e fé se conhecem? Perfume no potássio exala luxúria. Podre a casca que enfeita o jardim.

Madalena

Lugar inóspido, submundo. Entre as riquezas como abrigar esta luz? Anjo inócuo destinado ao novo lar. Paz, fonte sagrada de luz ensaia a vida entre os mortais.

27 outubro 2009

Completo

Reencontro as meias.

Verdade!

Transmutação


morada não conhece espaços
luz habita reflete nos olhos
verte-se em líquido cristal
depois o vinho, depois o peixe

Moribundo

terra
gira o mundo arcaico
raia de espera, produto final
fabricação com validade vencida

somado

mau cheiro
segue o círculo de abutres

camafeus e suas formas
céus alicerces cortados
espelhos quebrados
curtidos
na palha de fumo

graça e horror nos rodeiam
de porta e de janela
teto de isopor
esgoto a correr

descalços

gritos do silêncio
mesa
fruta, carne
água, sede
mel de pálidas faces
escorrem doces nos rios
vermelho esmalte
veias de águas secas
seco o ar

cadáver andante dos asfaltos

21 outubro 2009

Clarice


Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras - quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector de seu livro " Um Sopro de Vida ".

Folhas



Sei da luz. A conheço bem. Ela vive a espera dos homens, calada.

07 outubro 2009

Rosário


O silêncio mascara a fé. Princípio sólido, fundamento divino. Faces marcadas em pérolas tingidas de azul. Azul sua cor, luz da manhã. Animais a procura do ninho.

Amanhã


Lucidez ancorada fora do porto. Socorro. Preciso dessa luz. Designio das estrelas? A fera com sangue vertendo de suas feridas. Tragam óleo e vinho! O pão colocarei no altar.

28 setembro 2009

Fio

Menino às margens, mãe da vida, pai foragido da polícia. Sonha em soltar pipas e agarrar no fio o seu destino. Incerta estrada traçada. Cadê o colo, o zelo, o calor de Maria? Vê Jesus na cruz e respeita sua sina. Os sinos anunciam a hora sexta. Trevas reverberam o fardo, a madeira feita de carvalho.

Minas Gerais


Acolhida em sua grandeza. O branco das faixas zera a visão do horizonte. Bebe da força e recria sua própria cria.

Dois lados. Amantes foragidos da loucura brincam.

Minas, fruto maduro. Suas gerais transmutam em idéias simples: olhar ao lado, caminhar acompanhado.

Cinza


O cheiro da carne inspira meu voo. Abutres a caminho da refeição. Testemunha ocular da desgraça, vê asas fora e crê: haverá redenção. Correnteza, ciclo inevitável. Rezo a Deus piedade. Escuro é o centro dessa clarividência.

Liberdade


Para Cássio Amaral

Agreste perfume impregnado em minha pele, cascos purificados, árvore restabelecida. Regresso ao chão dos mortais desejos e a lua insana se veste de nossos corpos. Suor que uiva nos pulsos, salta da corrente e embala os sonhos. Olhos fechados. A cruz louvada aos pés da cama.

09 setembro 2009

A chama

Acordados os segredos gesticulam a verdade por entre sussurros. Pendência de vida, destino certo. Não há como escapar. As ferragens do passado pesam sobre os ombros e rasgam a carne. Somos vítimas ou cúmplices? Cada um fique no que é chamado.

Renova

"fogo o elemento transformador"
(Tela de Arthur Dicrayon)
Fogo alastro de brasa
recolhe o vento
a chama acesa.

04 setembro 2009

Àguas de setembro...

Ilumina

Com saliva e barro fez lodo untou-me os olhos e disse: Lava-te no tanque de Siloé. A água lavou os pecados e abriu-me os olhos. Cega de nascença a luz me é estranha. A verdade fruto comido no pé. Maçã proibida, éden redescoberto. A visão deparou-me com afetos frágeis e perdi o olhar por dentro. Reconheço o inferno ante meus pés.

29 agosto 2009

Embrião


Barriga rígida, espaço preenchido. Não há lugar para mais nada. Sinto-me agressiva na espera. A voz que tanto importuna desaparecerá. Feto pronto, humano desenhado com meus anseios. sei que me amarás. Lá fora nada importa, não fede, não cheira. O tempo congela e inexiste. O joelho aos poucos cicatriza, joguei fora os espinhos só restaram os gravetos. O quarto está avisado para não lhe assustar. Dos dias presa ao berço, a música de seu choro alimentará meu zelo. Cobertor de lã e chá. Mavioso seu toque o corpo acolhe sem gretas. Leito de solo quente embebido no vinho. Ver seu contorno de luz e colher espaços. Voz rouca, força esgotada tingido de vermelho completa infanta. Direi seu nome apenas aos anjos de Deus e ao seu filho amado: que importa? Ficará sem nome. Para mim você é verbo. Filho do verbo.

27 agosto 2009

Instinto

O homem carne caminha cru sobre o asfalto. Há fome, vontades da carne. Pingos de chuva cobrem seu corpo. O caminho líquido escorre no chão. Seiva doce marcada nas entranhas sem pudor, arranha e fere a face. O animal luta para sobreviver.

22 agosto 2009

Consolo


             Órgãos cheios de vazio

                                        [falta espaço]

            cascos velhos guardados entre trapos

            poeta, barco a devira a espera da tempestade

           o próprio mar o proteje.  

Ausente


O tempo presente se resume em distâncias. Ter perto angustia e aprisiona. Agora é parte, pedaço do que era, falta o outro, o ausente. Equilíbrio constante é a ambição dos loucos. Minutos esquecidos no seio da imagem. Límpido austro na esfera carnal e a gaivota chora com a visão do passado.

17 agosto 2009

Dança


Fêmea no cio e chuva de verão. Selvagens água e coito andam seminus. Trocam olhares tensos. Veias de água e rios de sangue seguem calados seu destino traçado, enquanto os peixes ensaiam a dança. Os sinais desenhados em suas curvas, só a folha acompanha a música.

11 agosto 2009

Pureza


Amor espia beleza no buraco da fechadura da existência. A porta existe, falta coragem para abrí-la. Covardes deixamos o verbo escapar entre os dedos. Eles tocam o céu. Tímida força envolta em lençóis de linho puro. O que fica é escuro.

25 julho 2009

Travessia


Do outro lado ouvi o chamado.
Atravessei a ponte, dois mundos.

Sagrado lugar.
Terra casta.

Ouvi o chamado.

Só poderei ficar
se partir.
Escudo contra a serpente
aflição e resgate.

Ilumina!

Centro da terra

horror e
sombras.

Prisão que queima

lagoa.

Seca a alma
refem da própria loucura

Pobreza

Mandado o apóstolo para longe
de meus dias
caiçara fúnebre

esqueletos crentes
devotos na falsa tela

tijela, pires
botões e velas

músculos crentes de votos

cabelos compridos
mente secreta
castiçal, terços
mazela

seios cobertos
desejos secretos
por trás do concreto

a massa é podre