15 novembro 2011

Espelho


Foto de Cassio Amaral
No lugar que permaneço
os significados  e as palavras inexistem.

Somos mudos e irreconhecíveis
a imagem não tem mais importância.

As asas seladas agora repousam
em seu leito de morte.

27 setembro 2011

Futuro


Crivo o calcanhar na pedra sentindo a dor do corte
a casca da ferida cheira mal
são marcas da gaiola
ferro fundido na razão humana e insana
que os olhos já cansaram de apreciar.

25 agosto 2011

Livro Hierofania dos Dedos - Poeta Português Jorge Vicente

26.

não sobrou nenhuma oração
nunca sobra nenhuma oração
quando deus se esquece das
voisas da carne e desagua
dentro de mim.

é talvez o poema que faz isso:
que se enterra, que assalta,
que agride, mas o poema não
interessa, a virtude não existe
e o verso é apenas um homem
e a mulher apenas uma mulher.

o que existe é a água, a sede,
a fome e a necessidade de desaguar
sangue dentro da pele; o ridículo
do miar do gato, a treva, a noite,
a saliva gasta mas que subsiste
no toque da carne.

tudo o mais é ilusão:
as valas da pele na superfície
da cama.

03 agosto 2011

Foto de Cássio Amaral
Dormem os dias sonhos a fio
tecem em largas escalas
o frio de meras repetições

28 junho 2011

Metamorfose

Foto de Cássio Amaral

Recolho certos vermelhos
da janela a dentro
e esqueço a poeira do agora.

Emendo a raiz nos poros dos porcos,
limpo a cara, este rosto de lama.
Agradeço o verde crescendo na pele,
o bico aparando a boca,
as penas tomando espaços.

02 junho 2011

Ancestrais

Foto de Cássio Amaral

Ouço o som da labuta
e me recuso a abrir os olhos,
crianças ainda dormem.

16 maio 2011

O Excedente da Visão Estética

Quero dividir com vocês o livro que estou lendo e que está me transformando. Sei que cada livro que lemos nos modifica de alguma forma.

Quando comtemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora de mim, não pode ver. ( Estética da Criação Verbal - Mikhail Bakhtin, 2003 p. 21)

26 abril 2011

Calendarium

Foto de Cássio Amaral

Encosto nesse lado desconhecido e confesso: a parede me ampara os pés fracos de pedra estrada, as mãos de caça sangra algema. Cospe as narinas água sobre a boca e contorna os olhos vermelhos de miríades de datas. Antes e agora era de chibatas.

22 abril 2011

O Medo

Foto de Cássio Amaral

...em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo
vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos
em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas
secam as redes, pôe-se o sol
em ti se abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos
as árvores inclinadas, os frutos e as dunas
em ti pernoita a seiva cansada das palavras, o suco das ervas e o açúcar transparente das camarinhas
em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares sem rumo...
( AL Berto, livro "O Medo", p. 7).

30 março 2011

Razão


Foto de Cássio Amaral

Meu deus é a minha carne

e espelho tudo que acredito.

18 março 2011

Regresso

       foto de Cássio Amaral

me ver em falhas.

calar o tempo que não volta.

21 fevereiro 2011

Saltos Baixos


foto de Cássio Amaral

Sandálias amarradas ao tornozelo. Ela diz que traz sorte. As tiras prendem seu corpo ao mundo, o couro grita socorro. Sua mente tem a certeza: um dia já foi armadura.

03 fevereiro 2011

Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. ( Clarice Lispector - Perto do coração selvagem, pg 68 ).

13 janeiro 2011

Ceifa


Foto de Cássio Amaral


a espiga de milho madura

a fartura deixa esse vazio.

a abundância em instantes e

a terra refeita para o novo plantio.


O semeador espera o tempo certo

o assobio do anjo ao ouvido.

pássaros reviram a terra

em busca de migalhas.